domingo, 21 de julho de 2024

Uma certa nostalgia | Une certaine nostalgie

 



Le château d'eau, Champagnole

*


Uma certa nostalgia


Nasci com o pecado original da melancolia.
Sei-me inocente, e ainda assim condenada à mácula
do íntimo por este estranho quebranto.
[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"



Talvez tenham sido os (inexplicáveis) acasos idiossincráticos da minha personalidade a determinar que tenha crescido com uma certa nostalgia “geo-espacial”, como se estivesse constantemente deslocada do meu lugar.
Não obstante esse meu “defeito” congénito, certo é que desde cedo tive consciência (ou seria um pressentimento?) de que algum desvio havia tido lugar na minha breve biografia. Conta-me a minha mãe que as minhas birras de criança terminavam todas comigo a chorar pela “minha terra”, como se pudesse ter saudades de um lugar de que seria impossível recordar-me, segundo os teóricos da memória.
Aquele desabafo seria, certamente, a minha tentativa de fuga ao presente, àquele momento e àquele lugar onde as minhas vontades eram desafiadas e o meu comportamento reprovado. Mas a criança que eu era então vive ainda no meu íntimo. Consigo olhar para ela com compaixão, sinto a temperatura das suas lágrimas, bátegas gordas, carregadas pesadamente com aquela doce amargura infantil, sinto-as como minhas, e assumo como meu, também, aquele desejo profundo de regressar à “minha terra”.
A vida foi acontecendo. Casamento, filhos, trabalho. Aflições e problemas. Tempestades e inundações. Pretextos e mais pretextos onde me enredei e me fui impedindo de lá voltar, não obstante o sonho.
Mas a espera termina agora. Regressarei em breve. Visitarei a Torre de Água e ficarei a contemplar os ponteiros do seu relógio, tentando compreender como puderam eles tanto correr sobre si mesmos sem que os meus olhos se comovessem com o seu movimento uma única vez.


____

Une certaine nostalgie

Je suis né avec le péché originel de la mélancolie.
Je sais que je suis innocent, toutefois je suis condamné à être souillé
du plus profond de mon être par cette étrange sort.
[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"


Ce sont peut-être les bizarreries (inexplicables) de ma personnalité qui ont fait que j'ai grandi avec une certaine nostalgie "géospatiale", comme si j'étais constamment déplacé de ma place.
Malgré ce "défaut" congénital, il est vrai que, dès mon plus jeune âge, j'étais consciente (ou avais-je une sensation mystérieuse?) qu'une certaine déviation s'était produite dans ma brève biographie. Ma mère me raconte que toutes mes colères d'enfant se terminaient par des pleurs pour "mon pays", comme si je pouvais regretter un endroit dont il serait impossible de se souvenir, selon les théoriciens de la mémoire.
Cette explosion serait certainement ma tentative d'échapper au présent, à ce moment et à ce lieu où mes désirs étaient contestés et mon comportement réprouvé. Mais l'enfant que j'étais alors vit toujours au fond de moi. Je peux la regarder avec compassion, je peux sentir la température de ses larmes, ses grosses moustaches, lourdement chargées de cette douce amertume enfantine, je les ressens comme miennes, et j'assume aussi comme mien ce profond désir de retourner sur "ma terre".
La vie a continué. Le mariage, les enfants, le travail. Afflictions et problèmes. Tempêtes et inondations. Des prétextes et encore des prétextes dans lesquels je me suis empêtrée et qui m'ont empêchée de revenir, malgré le rêve.
Mais l'attente est terminée. Je reviendrai bientôt. Je visiterai le château d'eau* et je fixerai les aiguilles de son horloge, en essayant de comprendre comment elles ont pu courir si vite sans que mes yeux ne s'en émeuvent une seule fois.

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*Le château d'eau de Champagnole ou tour de l’horloge est un château d'eau de style néoclassique du xixe siècle, avec un clocher à dôme à impériale vert-de-gris à lanterne de Champagnole dans le Jura en Franche-Comté. Il est inscrit aux monuments historiques depuis le 31 juillet 1990.









1 comentário:

  1. Gostei das tuas birras a chorar pela tua terra. O lugar onde nascemos fica preso no coração mesmo sem nos apercebermos disso. Que mates as saudades de todos os tempos: os que viveste e os que são apenas uma sugestão. Maravilhoso texto.
    Um beijo.

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