quarta-feira, 31 de julho de 2024

Mapa Astral | La carte du ciel

 

© Virgínia do Carmo 


Mapa astral 


Talvez nascer seja isto:
abrir o corpo em pétalas de lágrimas e depois
derramar suspiros como quem beija o chão que nos leva à alegria.
Deitar o peito sobre as estrelas como se tal pudesse
ser e aí esperar uma alvorada a que dar um nome.
E uma vez nascidos, talvez existir seja isto:
tocar a vida com a boca em cada canto como se fôssemos
palavras.

In Relevos, Poética Edições, 2014


Ignoro a hora exacta do meu nascimento. Esta pequena ignorância poderia ter a importância de uma chave esquecida numa porta que ninguém quer abrir, porém, sempre me assolou como uma intriga em que insisto involuntariamente cismar. 
Na prática, nunca esta informação me fez falta. 
Mas coisas práticas à parte, para além da curiosidade humana que nos leva a querer saber coisas só porque sim, a falta deste dado impediu-me de ver revelado o meu mapa astral, algo que um amigo muito querido um dia se ofereceu para me fazer. 
É claro que eu não quero ser uma dessas pessoas que acredita na astrologia, e por isso, mais uma vez, nada disto devia ter importância. Mas aqui para nós, que ninguém nos ouve, eu queria mesmo conhecer o meu mapa astral, e poder dizer depois “não acredito em nada disto”. Eventualmente, no meu íntimo, ficaria a ressoar o que de bom houvesse nesse mapa, para me ajudar a prosseguir na vida com mais esperança e uma fé mais certa, mesmo sem acreditar em nada. 
Tentando, ainda, explicar-me melhor: não acredito nos mapas astrais com a mesma força com que (já) não acredito na autenticidade do amor romântico, mas choro sempre que (acidentalmente, claro) vejo aquelas comédias românticas com finais felizes, e penso “bolas, porque é que isto nunca me aconteceu?”. 
Portanto, um dos pontos da minha agenda nesta minha viagem será tentar descobrir este mistério que me permitirá a revelação desnecessária e inútil do que os astros me reservam e a eventual confirmação do meu “destino” até agora. Terei, por fim, o meu mapa astral. Olharei para ele com total desinteresse e descrença, claro. Mas desejarei secretamente encontrar nele um trago de bonança que me devolva, por exemplo, a fé no amor romântico. E caso a bonança não exista, então pelo menos desistirei serenamente, e sem mais resistência. Descansarei das esperas. 
Às vezes precisamos mesmo de vendar a razão, para que tudo doa menos. 



*


La carte du ciel 

C'est peut-être cela, naître : 
  ouvrir le corps en pétales de larmes et puis 
   soupirs comme on embrasse le sol qui mène à la joie.
                 Poser sa poitrine sur les étoiles comme si cela pouvait être 
                    et attendre une aube à laquelle donner un nom. 
      Et une fois que nous sommes nés, c'est peut-être ce que signifie exister : 
                         toucher la vie avec nos bouches dans tous les coins comme si nous étions des mots. 

In Relevos, Poética Edições, 2014


Je ne connais pas l'heure exacte de ma naissance. Cette petite ignorance pourrait avoir l'importance d'une clé oubliée dans une porte que personne ne veut ouvrir, mais elle m'a toujours tourmenté comme une intrigue que je m'obstine involontairement à ruminer. 
En pratique, je n'ai jamais eu besoin de cette information. 
Mais au-delà des aspects pratiques, au-delà de la curiosité humaine qui nous pousse à vouloir savoir des choses juste parce qu'on les sait, l'absence de cette information m'a empêché de connaître mon gaphique de naissance, ce qu'un ami très cher m'a un jour proposé de faire pour moi. 
Bien sûr, je ne veux pas être une de ces personnes qui croient en l'astrologie, donc encore une fois, tout cela ne devrait pas avoir d'importance. mais seulement parmi nous, je voulais vraiment connaître mon graphique de naissance et pouvoir dire "je ne crois pas à tout cela". Éventuellement, tout ce qui était bon dans ce carte résonnerait en moi, m'aidant à avancer dans la vie avec plus d'espoir et une foi plus certaine, même sans croire en quoi que ce soit. 
Pour mieux m'expliquer : je ne crois pas aux cartes astrologiques aussi fortement que je ne crois (déjà) pas à l'authenticité de l'amour romantique, mais je pleure chaque fois que je vois (accidentellement, bien sûr) ces comédies romantiques avec des fins heureuses, et je me dis " bon sang, pourquoi cela ne m'est-il jamais arrivé ? ". 
Donc, l'un des points de mon agenda pour ce voyage sera d'essayer de découvrir ce mystère qui me permettra la révélation inutile et sans intérêt de ce que les étoiles ont en réserve pour moi et la confirmation éventuelle de mon "destin" jusqu'à présent. J'aurai enfin mon carte du ciel. Je le regarderai avec un désintérêt et une incrédulité totale, bien sûr. Mais j'espère secrètement y trouver une lueur d'espoir qui me redonnera foi en l'amour romantique, par exemple. Et s'il n'y a pas de lueur d'espoir, au moins j'abandonnerai sereinement et sans plus de résistance. Je me reposerai de l'attente. 
Parfois, il faut vraiment se mettre un bandeau sur la raison pour que tout soit moins douloureux. 


domingo, 21 de julho de 2024

Uma certa nostalgia | Une certaine nostalgie

 



Le château d'eau, Champagnole

*


Uma certa nostalgia


Nasci com o pecado original da melancolia.
Sei-me inocente, e ainda assim condenada à mácula
do íntimo por este estranho quebranto.
[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"



Talvez tenham sido os (inexplicáveis) acasos idiossincráticos da minha personalidade a determinar que tenha crescido com uma certa nostalgia “geo-espacial”, como se estivesse constantemente deslocada do meu lugar.
Não obstante esse meu “defeito” congénito, certo é que desde cedo tive consciência (ou seria um pressentimento?) de que algum desvio havia tido lugar na minha breve biografia. Conta-me a minha mãe que as minhas birras de criança terminavam todas comigo a chorar pela “minha terra”, como se pudesse ter saudades de um lugar de que seria impossível recordar-me, segundo os teóricos da memória.
Aquele desabafo seria, certamente, a minha tentativa de fuga ao presente, àquele momento e àquele lugar onde as minhas vontades eram desafiadas e o meu comportamento reprovado. Mas a criança que eu era então vive ainda no meu íntimo. Consigo olhar para ela com compaixão, sinto a temperatura das suas lágrimas, bátegas gordas, carregadas pesadamente com aquela doce amargura infantil, sinto-as como minhas, e assumo como meu, também, aquele desejo profundo de regressar à “minha terra”.
A vida foi acontecendo. Casamento, filhos, trabalho. Aflições e problemas. Tempestades e inundações. Pretextos e mais pretextos onde me enredei e me fui impedindo de lá voltar, não obstante o sonho.
Mas a espera termina agora. Regressarei em breve. Visitarei a Torre de Água e ficarei a contemplar os ponteiros do seu relógio, tentando compreender como puderam eles tanto correr sobre si mesmos sem que os meus olhos se comovessem com o seu movimento uma única vez.


____

Une certaine nostalgie

Je suis né avec le péché originel de la mélancolie.
Je sais que je suis innocent, toutefois je suis condamné à être souillé
du plus profond de mon être par cette étrange sort.
[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"


Ce sont peut-être les bizarreries (inexplicables) de ma personnalité qui ont fait que j'ai grandi avec une certaine nostalgie "géospatiale", comme si j'étais constamment déplacé de ma place.
Malgré ce "défaut" congénital, il est vrai que, dès mon plus jeune âge, j'étais consciente (ou avais-je une sensation mystérieuse?) qu'une certaine déviation s'était produite dans ma brève biographie. Ma mère me raconte que toutes mes colères d'enfant se terminaient par des pleurs pour "mon pays", comme si je pouvais regretter un endroit dont il serait impossible de se souvenir, selon les théoriciens de la mémoire.
Cette explosion serait certainement ma tentative d'échapper au présent, à ce moment et à ce lieu où mes désirs étaient contestés et mon comportement réprouvé. Mais l'enfant que j'étais alors vit toujours au fond de moi. Je peux la regarder avec compassion, je peux sentir la température de ses larmes, ses grosses moustaches, lourdement chargées de cette douce amertume enfantine, je les ressens comme miennes, et j'assume aussi comme mien ce profond désir de retourner sur "ma terre".
La vie a continué. Le mariage, les enfants, le travail. Afflictions et problèmes. Tempêtes et inondations. Des prétextes et encore des prétextes dans lesquels je me suis empêtrée et qui m'ont empêchée de revenir, malgré le rêve.
Mais l'attente est terminée. Je reviendrai bientôt. Je visiterai le château d'eau* et je fixerai les aiguilles de son horloge, en essayant de comprendre comment elles ont pu courir si vite sans que mes yeux ne s'en émeuvent une seule fois.

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*Le château d'eau de Champagnole ou tour de l’horloge est un château d'eau de style néoclassique du xixe siècle, avec un clocher à dôme à impériale vert-de-gris à lanterne de Champagnole dans le Jura en Franche-Comté. Il est inscrit aux monuments historiques depuis le 31 juillet 1990.









sábado, 13 de julho de 2024

Uma viagem, quase 50 anos depois | Un voyage, près de 50 ans plus tard

 


Foto retirada daqui: https://www.jura-tourism.com/


Uma viagem, quase 50 anos depois

Às vezes a minha casa é apenas o espaço ínfimo
Entre o que sinto e o que não sei.
[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"


Nasci a 17 de abril de 1973 deslocada daquela que objectivamente posso considerar como a minha verdadeira terra. Os meus pais haviam emigrado para França em 1970, a salto, como tantas outras pessoas que naqueles tempos sombrios partiam clandestinamente seguindo, não o desejo de uma vida melhor (na altura desejos seriam quimeras), mas apenas uma sobrevivência mais digna.
Assim aconteceu o meu nascimento acidental num país estranho ao meu sangue, numa primavera mais fria do que as primaveras do meu país, ainda que igualmente florida e rodeada de montanhas.
Os meus pais regressariam definitivamente a Portugal no Verão de 1975, tinha eu dois anos e alguns meses, e desde então nunca mais voltei a Champagnole.
Enquanto acontecimento acidental, e até breve, a minha ligação com esta terra poderia ter para mim a importância de uma casualidade insignificante, como sucede, por exemplo, com a minha prima mais velha, também nascida naquela vila francesa. Para ela, voltar a Champagnole não representa absolutamente nada.
Mas porque será, então, que em mim existe esta ânsia inquietante de regressar ao chão dos meus primeiros passos, ao céu que os meus olhos viram antes de todos os outros, às flores que foram os primeiros aromas da minha vida?
Procuro, também eu, essa resposta. E é essa procura que aqui quero registar e partilhar, num exercício que será meu, mas que assim ficará memorizado em palavras, para que a minha procura não se perca nem eu me perca nela. E talvez, quem sabe, venhamos juntos a descobrir que afinal as nossas procuras são mais comuns e universais do que pensamos.
No dia 3 de setembro partirei numa jornada solitária (minha escolha) rumo a essa terra que foi a primeira que eu respirei, para tentar entender porque tanto chama por mim o seu nome: Champagnole.
Mas a minha viagem pelo lado de dentro começa agora.


*

Un voyage, près de 50 ans plus tard

Parfois ma maison est juste le petit espace
Entre ce que je ressens et ce que je ne sais pas.

[...]

in "A menina que aprendeu a matar centopeias e outros poemas"


Je suis né le 17 avril 1973, loin de ce que je peux objectivement considérer comme ma vraie “terre”. Mes parents avaient émigré en France en 1970, comme tant d'autres personnes parties clandestinement en ces temps sombres, suivant non pas le désir d'une vie meilleure (à l'époque, les désirs étaient des chimères), mais simplement d'une survie plus digne.
C'est ainsi que ma naissance accidentelle a eu lieu dans un pays étranger à mon sang, dans une printemps plus froide que le printemps de mon pays, bien que tout aussi fleurie et entourée de montagnes.
Mes parents sont retournés définitivement au Portugal durant l'été 1975, alors que j'avais deux ans et quelques mois, et je ne suis jamais retourné à Champagnole depuis.
En tant qu'événement accidentel, et même bref, mon lien avec cette terre pourrait avoir pour moi l'importance d'une coïncidence insignifiante, comme c'est le cas, par exemple, pour ma cousine aînée, qui est également née dans ce village français. Pour elle, retourner à Champagnole ne signifie absolument rien.
Mais alors, comment se fait-il qu'il y ait en moi cette inquiétante envie de retrouver le sol de mes premiers pas, le ciel que mes yeux ont vu avant tous les autres, les fleurs qui ont été les premiers arômes de ma vie ?
Moi aussi, je suis à la recherche de cette réponse. Et c'est cette recherche que je veux enregistrer et partager ici, dans un exercice qui sera le mien, mais qui sera mémorisé par des mots, afin que ma recherche ne se perde pas et que je ne m'y perde pas. Et peut-être, qui sait, découvrirons-nous ensemble que nos recherches sont plus communes et universelles que nous ne le pensons.
Le 3 septembre, je partirai en solitaire (c'est mon choix) vers cette terre qui a été la première que j'ai respirée, pour essayer de comprendre pourquoi son nom m'interpelle tant: Champagnole.
Mais mon voyage intérieur commence dès maintenant.


[*Tradução automática, revista. Pode conter incorrecções | Traduction automatique, révisée. Peut contenir des inexactitudes.]


Fazer da nostalgia um verbo | Faire de la nostalgie un verbe

   riviére Ain Sempre gostei de investigar as palavras.  Hoje andei com esta na cabeça, não me largou: nostalgia . Fui ver o seu significado...